(Rio de Janeiro) – Relatos de que supostas falhas sistêmicas no maior clube de futebol do Brasil levaram à morte de 10 jovens atletas em um incêndio em 2019 levantam questões críticas sobre medidas de proteção e responsabilização no esporte brasileiro, afirmou hoje a Sport & Rights Alliance.
A absolvição de dirigentes do Flamengo em 21 de outubro de 2025 foi devastadora e contradiz evidências de que o Flamengo falhou em proteger os atletas, disseram grupos de familiares das vítimas. O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro recorreu da decisão.
Por pelo menos quatro anos antes do incêndio, segundo reportagens, o Flamengo desrespeitou normas locais, recebeu diversas multas e chegou a ser processado pelo Ministério Público estadual em 2015 por oferecer condições inadequadas e alojamentos precários aos jovens jogadores de sua base. Em fevereiro de 2019, cinco dias após o incêndio que provocou vítimas, um juíz concluiu que o clube não havia cumprido as determinações da ação civil e proibiu a entrada de crianças e adolescentes no centro de treinamento. Após novas inspeções que atestaram o cumprimento das normas, em junho de 2019 o juiz autorizou a reabertura das instalações e encerrou o processo.
“As denúncias sobre as condições da base do Flamengo – o clube de futebol mais popular e lucrativo do Brasil – são extremamente alarmantes”, disse Andrea Florence, diretora executiva da Sport & Rights Alliance. “Mesmo após ter sido processado por falhas na proteção de crianças e adolescentes anos antes do incêndio, o clube estaria operando sem alvarás básicos de incêndio e alojando jovens atletas em contêineres altamente inflamáveis, com graves defeitos estruturais. Enquanto o Brasil se prepara para sediar a Copa do Mundo Feminina da FIFA em 2027, este caso é um importante alerta para a necessidade urgente de fortalecer medidas de segurança no esporte.”
A Associated Press e o New York Times publicaram denúncias detalhadas de negligência sistêmica nas instalações, que, segundo eles, pode ter criado uma armadilha mortal para os 10 adolescentes de 14 a 16 anos que morreram no centro de treinamento Ninho do Urubu. Como retratado em uma minissérie documental de 2024 da Netflix, os jovens eram supostamente alojados em contêineres temporários e inflamáveis instalados em um estacionamento, com grades nas janelas.
A Sport & Rights Alliance enviou uma carta ao Clube de Regatas do Flamengo em 12 de novembro solicitando respostas. O clube não respondeu.
“O incêndio no Flamengo não é apenas um trágico acidente; ele revela as graves consequências da exploração generalizada e do cuidado inadequado com jovens talentos em programas de formação de jogadores em algumas partes do mundo”, afirmou Alex Phillips, secretário-geral da FIFPRO, o sindicato global de jogadores de futebol. “A indústria global do futebol de elite depende de jovens cuja segurança é confiada a centros de formação em clubes como o Flamengo. Não garantir justiça neste caso representa um retrocesso para a segurança de jovens jogadores no Brasil e além.”
Em outubro, veículos de imprensa no Brasil divulgaram gravações registradas pela jornalista Renata Mendonça expondo condições precárias no centro de treinamento do time profissional feminino do Flamengo. O vídeo revela pisos quebrados, vestiários em contêineres com água de torneira escura e a falta de infraestrutura adequada de fisioterapia e academia. O Flamengo ainda não se pronunciou.
“Se essas denúncias forem verdadeiras, o governo brasileiro precisa garantir que o clube seja responsabilizado pela grave negligência e pelas condições deploráveis oferecidas a atletas da base e dos times femininos”, disse Minky Worden, diretora de iniciativas globais da Human Rights Watch. “As famílias das vítimas do Ninho do Urubu lutam incansavelmente há seis anos por justiça e reformas. A comunidade esportiva global precisa ouvi-las e agir com urgência para garantir que uma tragédia como essa nunca mais se repita.”
A Sport & Rights Alliance se posiciona em total solidariedade com a Associação de Familiares de Vítimas do Incêndio no Ninho do Urubu (Afavinu), que divulgou uma nota após a decisão judicial destacando ser uma profunda “afronta à memória das vítimas e aos sentimentos da sociedade como um todo”. Famílias que confiam seus filhos a centros de formação como o do Flamengo devem ter a garantia de que não apenas seu treinamento e talento, mas também sua segurança, acomodação e direitos humanos serão respeitados e protegidos, afirmou a Aliança.
Em novembro de 2024, o Brasil aprovou uma lei que exige que entidades esportivas que recebem recursos públicos adotem e cumpram medidas de proteção, ressaltando que o fortalecimento da segurança de crianças, adolescentes e mulheres atletas seria seu “legado” como país-sede da Copa do Mundo Feminina da FIFA 2027.
Para concretizar esse legado, o governo brasileiro e as autoridades esportivas deveriam também assegurar justiça e reparação às famílias dos jovens atletas do Flamengo e trabalhar conjuntamente para criar uma entidade nacional independente de proteção no esporte, responsável por monitorar e receber denúncias. O direito à segurança de crianças e mulheres atletas é inegociável, e organizações esportivas têm a responsabilidade de proteger todas as pessoas sob seus cuidados.