(São Paulo) – A polícia do Rio de Janeiro não adotou medidas investigatórias cruciais para determinar as circunstâncias da morte de pelo menos 121 pessoas, incluindo quatro policiais, durante uma operação no Rio de Janeiro, Brasil, em 28 de outubro de 2025, afirmou hoje a Human Rights Watch. A operação afetou bairros de baixa renda, principalmente com população negra.
A polícia não preservou o local dos tiroteios para análise, uma medida muito importante para determinar as circunstâncias das mortes. Um perito do Rio de Janeiro disse à Human Rights Watch que, pelo que sabe, não houve perícia do local em nenhuma das mortes. Um promotor disse que o Ministério Público está aguardando a confirmação disso, mas que também é esse o seu entendimento.
“As famílias das pessoas mortas na operação de 28 de outubro, incluindo as dos policiais, merecem saber as circunstâncias da morte de seus entes queridos”, disse César Muñoz, diretor da Human Rights Watch no Brasil. “Estamos muito preocupados com o fato de que etapas cruciais da investigação não foram realizadas e que provas importantes podem já ter sido perdidas.”
Na madrugada de 28 de outubro, cerca de 2.500 policiais militares e civis fortemente armados, apoiados por veículos blindados e helicópteros, entraram nos vastos bairros dos complexos do Alemão e da Penha em uma operação contra uma das mais poderosas facções criminosas do Brasil. Seguiram-se intensos tiroteios, que duraram horas.
Mais tarde naquele dia, as autoridades informaram que 64 pessoas haviam sido mortas, incluindo quatro policiais. No dia seguinte, os moradores encontraram dezenas de outros corpos em uma área de mata.
O secretário da polícia militar disse em uma coletiva de imprensa que a polícia havia empurrado os membros do grupo criminoso em direção à área de mata, que a polícia sabia que eles usavam como rota de fuga. No topo dos morros, a unidade de elite da polícia militar, o BOPE, havia estabelecido o que o secretário descreveu como um “muro”, com agentes esperando pelos supostos membros da facção em fuga.
Uma moradora disse à imprensa que seu filho lhe enviou sua localização e disse que queria se entregar, mas tinha medo de que a polícia o matasse. Seu corpo foi encontrado mais tarde na área de mata.
O perito disse acreditar que os policiais recuperaram as armas que estavam nas mãos das pessoas mortas no local e foram embora.
Na manhã de 29 de outubro, moradores foram até a área de mata e recuperaram dezenas de corpos, que foram levados para uma praça no bairro da Penha. Repórteres também foram à área de mata e encontraram importantes evidências sem proteção, incluindo manchas de sangue, cápsulas de balas e roupas.
“Reconhecemos as dificuldades inerentes a uma área de mata, mas causa estranheza a ausência de controle sobre o isolamento do local”, disse o procurador-geral do estado do Rio de Janeiro.
O secretário de polícia civil, chefe da força estadual encarregada de investigar crime, disse que abriu uma investigação sobre os moradores que removeram os corpos por possível adulteração de provas e os acusou de tirar as roupas dos mortos. No entanto, os moradores só conseguiram chegar aos corpos porque a polícia não protegeu o local do tiroteio, disse a Human Rights Watch.
O perito também disse à Human Rights Watch que os delegados não enviaram os peritos criminais, que no Rio de Janeiro são parte da polícia civil, para realizar a análise do local. A análise da cena do crime deve ser realizada mesmo que um corpo tenha sido removido, pois pode haver provas adicionais no local.
Além disso, os peritos criminais não foram enviados à praça para onde os moradores haviam removido dezenas de corpos, disse o perito. Essa foi uma importante falha adicional da investigação, afirmou a Human Rights Watch.
Peritos criminais deveriam ter ido na praça para tirar fotos e coletar provas, incluindo amostras de resíduos de pólvora, que podem revelar se a pessoa disparou uma arma. Esses resíduos se perdem com o manuseio do corpo, por exemplo, durante o transporte.
Bombeiros recolheram os corpos da praça e os levaram para o Instituto Médico Legal (IML). Peritos legistas estão realizando necropsias, mas há preocupações com a limitação de pessoal e infraestrutura, além do subinvestimento crônico na perícia do estado.
A Defensoria Pública afirmou que a polícia civil não permitiu que defensores estivessem presentes durante as necropsias. Algumas organizações da sociedade civil, incluindo a Human Rights Watch, solicitaram ao procurador-geral do Rio de Janeiro, em 30 de outubro, que garantisse a presença de um representante das vítimas nas autópsias. Isso não foi feito.
O Ministério Público do Rio de Janeiro informou que enviou seus peritos e um promotor ao IML.
A polícia afirmou ter apreendido 118 armas. As armas deveriam ter sido mantidas em uma cadeia de custódia rigorosa, em sacos lacrados, e enviadas para a perícia para análise de impressões digitais e balística. No entanto, a polícia civil apresentou as armas à imprensa. E reportagens de televisão mostram policiais e até mesmo repórteres manuseando armas e outros equipamentos apreendidos sem luvas.
Em uma sentença de 2017 sobre um caso no Rio de Janeiro, a Corte Interamericana de Direitos Humanos ordenou que o Brasil garantisse que os abusos policiais fossem investigados por “um órgão independente e diferente da força pública envolvida no incidente... assistido por pessoal policial, técnico criminalístico e administrativo alheio ao órgão de segurança à qual pertença o possível acusado ou acusados”.
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o Ministério Público deve conduzir as investigações sempre que houver “suspeita” do envolvimento de agentes dos órgãos de segurança pública na prática de crime doloso contra a vida. A decisão do STF enfatizou a importância de preservar devidamente o local dos fatos.
O Tribunal também ordenou que a polícia do Rio de Janeiro utilizasse câmeras corporais. Mas o secretário da polícia militar disse aos repórteres que as baterias podem ter acabado durante a operação e que “as imagens podem ter sido perdidas”.
A Resolução 310, adotada pelo Conselho Nacional do Ministério Público em 29 de abril de 2025, estabeleceu que o Ministério Público deve investigar por procedimento próprio todos os casos de intervenções dos órgãos de segurança pública com resultado letal. Ela afirma que o Ministério Público pode ser assistido por peritos independentes da força policial sob investigação. A resolução estabelece que o Ministério Público deve garantir a integridade da cadeia de custódia das provas e que as investigações sigam diretrizes internacionais, como o Protocolo de Minnesota, que o Supremo Tribunal também mencionou em sua decisão.
Em 30 de outubro, o Ministério da Justiça anunciou que enviaria 20 peritos da Polícia Federal para ajudar na análise do local e balística, e nas autópsias.
A polícia do Rio de Janeiro matou 703 pessoas em 2024 e outras 470 entre janeiro e agosto de 2025, segundo dados oficiais. Das pessoas mortas em 2024, 86% eram negras.
“As autoridades brasileiras devem garantir uma investigação rápida, completa e independente de cada uma das mortes, bem como das decisões e do planejamento que levaram a uma operação tão desastrosa”, disse Muñoz. “O caso também mostra a necessidade urgente de o governador do Rio de Janeiro apresentar um projeto de lei para separar a perícia da polícia civil e investir em análises forenses independentes e de alta qualidade, que são uma parte fundamental de qualquer investigação criminal, não apenas em casos de mortes causadas pela polícia.”